Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um
cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não
sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque
eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis
o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a
transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu
modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não
sei ceder. É porque no fundo eu queria amar o que eu amaria - e não o que
é. É também porque eu me ofendo a toa. É porque talvez eu precise que me
digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito
possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o
rato para mim. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi
os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor
inocente. Talvez eu tenha que chamar de “mundo” esse meu modo de ser um
pouco de tudo. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi
amar o meu contrário (…). Eu que jamais me habituarei a mim, estava querendo
que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi
me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava
querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu.
(Clarice Lispector - do Livro:
Felicidade Clandestina).
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